SABE A JÚLIA?
"Sabe a Júlia?"
Conversar com filho é muito bom.
Recomendo a prática diária, desde sempre, desde bebê. Primeiro porque
acompanhar a evolução do pensamento de uma criança é uma das coisas mais
fascinantes que existem. Depois, porque é um caminho de proximidade e afeto que
precisa ser aberto durante a caminhada.
Muitos
pais só se dão conta de que precisam abrir esse caminho
quando a adolescência se aproxima e a criança começa a se afastar. Não percebem
que já percorreram a maior parte do trajeto que deveriam percorrer juntos. O
novo adulto que nasce precisa construir a sua própria estrada, e não podemos
construir por eles. Mas se a "estrada da boa conversa" estiver
aberta, bem pavimentada e cuidada desde sempre, ele volta. Nos conta sobre seus
novos caminhos, e também quer ouvir o que pensamos. Sim, porque a boa conversa
é aquela em que falar e escutar têm a mesma importância. Muitas vezes os pais
se confundem, e acham que basta abrir o caminho da fala. Falam sobre o que é certo, sobre
o que eles pensam, sobre o que os filhos devem fazer...
mas esquecem de abrir o caminho da escuta.
E não existe proximidade sem escuta. Autoridade é fundamental, mas sem escuta
vira autoritarismo. Autoridade gera respeito e proximidade, autoritarismo gera revolta e distância.
Mas o que eu queria mesmo era falar
sobre a Júlia. Em um momento de "boa conversa" com minha filha de 13
anos, ela me vem com a pergunta:
- Mãe, sabe a Júlia?
Ela queria me contar uma coisa que
ocorreu na escola. Mas como conhece bem a mãe que tem, resolveu dar uma forcinha
para a minha péssima memória,
me situando primeiro
sobre quem eram os personagens da história que ela
iria relatar. Claro que
eu respondi que não sabia de que Júlia ela falava,
e ela então começou a explicar:
- A Júlia, mãe! Que foi no meu aniversário de 11 anos, que dormiu lá em
casa com as outras meninas...
Percebendo que a
minha expressão de interrogação permanecia, ela continuou:
- A Júlia que era da minha turma, depois
mudou!
Muitas outras
pistas depois, por fim eu desisti e disse:
- Ai, filha! Me mostra uma foto dela então!
Foi aí que eu tive uma das maiores emoções
da minha vida de mãe: Ela me mostrou a foto da Júlia. E Júlia era uma menina com uma deficiência física.
Eu a teria identificado facilmente se a minha filha falasse sobre isso. Mas ela
não o fez. E quando eu perguntei o porque, ela
respondeu:
- Ah, mãe! Eu não podia defini-la dessa
forma!
Depois de ficar em silêncio para digerir
esse momento, descobri que eu "não sei a Júlia". Porque o que eu sei
é muito pouco, e não a define. A Júlia é muito mais que sua condição física. É
a menina que vai aos aniversários, que muda de turma, que dorme na casa das
amigas e muito mais coisas que eu não sei ainda.
Em momentos como esse descubro que a
nossa estrada foi bem pavimentada com ética e valores sólidos, e se tornou não
apenas um caminho de afeto e proximidade, mas também de orgulho e aprendizado.
Daniela Santos Psicóloga, Psicomotricista e Psicopedagoga
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