É POSSÍVEL EDUCAR SEM CULPA?
Antigamente, a educação das crianças era extremamente repressora,
autoritária. Os pais eram inflexíveis e acreditavam saber exatamente o que
estavam fazendo, e fazer o melhor.
Nos anos 60, surgiu a ideia: “é proibido proibir”. A criança deveria exercitar
suas emoções e potencialidades para se tornar um adulto criativo e crítico. A popularização
dos estudos sobre desenvolvimento infantil e e também levou a sociedade a questioner
e rejeitar o modelo repressor de educação. Por terem acesso a conhecimentos de especialistas, os pais hoje em dia sentem
sua grande responsabilidade no desenvolvimento da criança. Vale ressaltar, no
entanto, que os termos da psicologia são muitas vezes utilizados de forma exagerada e sensacionalista pela mídia. A
divulgação de teorias tem sido feita de forma determinista, e como verdade absoluta,
não como uma entre possíveis visões. Porém, a formação da criança é influenciada
por inúmeros fatores. Nesse período, divulgou-se a ideia de que a repressão deixaria
traumas irreversíveis. Os pais passaram a ter medo de prejudicar o desenvolvimento
da criança sendo muito rígidos e a evitar dizer não, não colocando os limites necessários. O medo
de traumatizar tira a
espontaneidade e gera sentimento de culpa. Para não reproduzir o modelo repressor, acabam permitindo tudo. E a
criança que pode tudo, acaba ficando sem
referência nenhuma, tem dificuldade de incorporar regras sociais e
respeitar o limite das outras pessoas, só faz o que quer.
Antigamente,
a visão do futuro, da educação era como uma estrada com a terra bem firme, uma imagem
sólida. Abandonamos esse modelo, mas nada foi colocado no lugar. Os pais ficaram
sem um referencial, com papéis indefinidos,
cheios de dúvidas, incapazes de attitudes claras com seus filhos. Os pais deixaram
de ser os “senhores da relação”, mas também não alcançaram uma relação dialógica
com os filhos. Houve uma inversão de papéis, passando a predominar a tirania
dos filhos.
Se
examinarmos a questão de forma abrangente, constatamos que a sociedade está vivendo uma grande crise de valores. De acordo com Zygmunt Bauman,
vivemosem “tempos líquidos”, tudo muda de forma rapidamente, nada é feito para
durar. Hoje não há modelo de educação nem de família. Os papéis não são definidos
como antes: pai provedor, mãe responsável pela casa e pelos filhos. As famílias
se organizam de variadas maneiras. Por um lado, as relações são mais verdadeiras,
aprendemos a respeitar as diferenças, abrimos maior espaço para o diálogo.
Ninguém se prende mais a um determined omodelo de família por imposição social.
No entanto, os valores se tornaram frágeis, elásticos, mutáveis. E o medo de errar
faz com que as pessoas se tornem mais permissivas.
Segundo o Psicólogo Yves de La Taille, que escreve sobre a ética na atualidade,
depois dos anos 80 passamos a desvalorizar o passado, visto como algo ultrapassado,
e ver o progresso como algo destrutivo. Estamos vivendo no eterno presente, num
mundo fragmentado. Vivemos de pequenas urgências, prazeres e necessidades imediatas.
A moral é vista como algo negativo. Correlacionando ao pensamento do
psicanalista César Ibrahim, percebemos que essa prisão no presente tem trazido outras
conseqüências para a nossa sociedade. Vemos cada vez mais uma redução do
período da infância e da idade adulta com uma larga ampliação do período da
adolescência. A adolescência atualmente começa aos 9 anos e se estende aos
30... Os pais tem se comportado como “amigos” dos filhos, e muitas vezes como
“irmãos”, eternos “adolescentes” que fazem só o que querem.
Outro fenômeno social importante foi a entrada da mulher no mercado
de trabalho. Ter filhos, que antes era simplesmente uma consequência natural do
casamento, passou a ser um “grande projeto”, muito bem planejado. Desta forma,
muitos casais optam por ter apenas um
filho, esperado com grande expectativa: o/a
“príncipe/princesa” da família. Mas os pais ainda têm que deixá-lo com
outras pessoas para trabalhar, e se sentem culpados por isso. E a culpa faz com
que tenham dificuldades de impor limites.
Qual é o custo social dessa crise de valores? Como se torna o
adolescente que não aprendeu a ter limites? Que pessoas estamos formando? Serão
cidadãos conscientes, cooperativos, solidários, sociáveis? A educadora Tânia Zagury,
no livro “Sem padecer no paraíso”, ressalta que a criança deve ser LIVRE PARA
SE EXPRESSAR, mas não SOLTA PARA AGIR. É preciso não confundir liberdade com
permissividade. Os pais muitas vezes tem uma visão negativa do exercício do
poder. Eles DEVEM TER PODER, pois a criança como um ser em formação.
Ainda não está habilitada a conduzir sozinha sua vida, ela precisa
que os adultos a “governem”. A segurança das crianças depende do poder decisório dos adultos. Necessidades da criança devem ser atendidas, exigências não.
A
culpa paralisa ou faz com que os pais se mobilizem no sentido de promover eternas compensações por se sentirem sempre
“em falta” com o filho. É preciso confiar na qualidade do tempo vivenciado com
a criança. É preciso refletir sobre a educação dos filhos e plantar hoje em pequenas
ações e na firmeza dos limites, os valores que queremos que tenham no
futuro. Talvez não seja possível educar sem experimentar o sentimento de culpa, mas certamente é possível educar sem
ser movido pela culpa e sim por princípios, valores, ética.
Rita de Cássia Melo – Psicóloga Clínica (TCC) e Escolar e Psicomotricista
Daniela Santos – Psicóloga, Psicopedagoga e Psicomotricista
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